sábado, 4 de julho de 2015

NRP BAPTISTA DE ANDRADE - MISSÃO 933

COM A DEVIDA VÉNIA, TRANSCREVEMOS ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA DA ARMADA


IINTRODUÇÃO

Portugal tem a responsabilidade de realizar ações de Busca e Salvamento numa área SAR (Search and Rescue) com a dimensão de 5,8 milhões de km2, o equivalente a 63 vezes o nosso território. O dispositivo da Zona Marítima dos Açores é constituído por uma unidade naval, que tem como principais missões a fiscalização dos espaços marítimos sob jurisdição nacional e a salvaguarda da vida humana no mar. No período de 24 a 29 de novembro de 2014, o NRP Baptista de Andrade, em missão na Zona Marítima dos Açores, participou numa ação SAR 933 milhas a Sudoeste de Ponta Delgada, no extremo sul da SRR (Search and Rescue Region) de Santa Maria. Esta ação, realizada em condições atmosféricas muito adversas, foi o salvamento levado a cabo pela Marinha Portuguesa à maior distância na sua área de responsabilidade SAR. A nossa missão era ir às 1000 milhas efetuar a evacuação médica do skipper do veleiro Bravura, que se encontrava em aparente estado grave a requerer assistência médica imediata. Por se tratar de uma missão ímpar, e para melhor expressar os desafios que tivemos de ultrapassar, o relato do resgate será efetuado na primeira pessoa. 

RELATO DO SALVAMENTO

No dia 24 de novembro, pelas 03h30 o meu telefone tocou, fui informado pelo oficial de operações do Comando da Zona Marítima dos Açores que havia um tripulante ferido num iate que se encontrava cerca de 1000 milhas a sul de Ponta Delgada, e que seria necessário empenhar o navio para realizar a evacuação médica do ferido. No briefing dado pelo MRCC Delgada, recebi a informação de que o ferido era o skipper do veleiro Bravura, que tinha caído a bordo e apresentava um ferimento grave na cabeça e tinha o braço direito partido. O veleiro Bravura navegava de Cabo Verde para as Caraíbas, com mais dois tripulantes a bordo. A Baptista largou do porto de Ponta Delgada às 05h21, para uma das suas missões mais importantes, salvar uma vida humana, a uma distância de 3.700 km de terra. Pela longa distância a percorrer, cerca de 2000 milhas, o primeiro desafio com que nos deparámos foi planear a gestão das 192 toneladas de combustivel e 80 toneladas de água (o navio tinha o sistema de produção de água doce inoperacional); assim, arrancámos a uma velocidade de 17 nós e em regime de água fechada, abrindo a água apenas durante três períodos diários de 20 minutos para que a guarnição pudesse fazer a sua higiene pessoal. A gestão da aguada foi sempre uma preocupação. A partir do dia 25 de novembro, novas medidas foram tomadas, implementando-se um regime de água fechada mais restrito, com a abertura da água em dois periodos de 20 minutos, e as refeições passaram a ser feitas com o mínimo de palamenta possível. Diariamente reuni com o meu engenheiro de máquinas, para controlarmos o consumo de combustível e fazer a gestão dos tanques para que o navio nunca perdesse a sua estabilidade. Com o decorrer das horas íamos sendo informados pelo MRCC Delgada do agravamento das condições do ferido; aumentámos gradualmente o regime de máquinas para a velocidade máxima, passando a navegar a 20 nós, tirando partido do mar na popa. Dia 26 de novembro, por volta das 12h00, estabelecemos comunicações com o iate Bravura, às 13h00 iniciámos a evacuação médica; se durante os dias anteriores contámos com boas condições meteorológicas, ao chegar ao local deparámonos com mares de 4 metros e ventos de 35 nós. A equipa médica dirigiu-se para bordo do iate Bravura, contando com a preciosa ajuda da equipa de fuzileiros embarcada na Baptista. Às 14h55 tínhamos o ferido a bordo, deixámos no iate alimentação e gasóleo, bens fundamentais para que o Bravura continuasse viagem até ao seu destino nas Caraíbas. Este gesto deu um grande ânimo aos dois tripulantes que permaneceram a bordo, que se mostraram muito agradecidos pelo apoio dado pela Marinha Portuguesa. Estávamos 933 milhas a SW de Ponta Delgada, começámos então uma maratona para levar o nosso paciente até às 350 milhas de Ponta Delgada, local em que seria extraído de bordo por um EH 101 da Força Aérea Portuguesa (FAP). Durante o trânsito, o nosso amigo Roland foi acompanhado permanentemente quer, pelo médico, quer pela enfermeira do navio. Quando lhe dei as boas vindas a bordo, mostrou-se espantado ao saber que tínhamos vindo de tão longe para o vir buscar, disse-lhe que essa era a nossa missão e que a Marinha Portuguesa tudo faria para salvar a sua vida, daí a dois dias iria estar no Hospital em Ponta Delgada na companhia da sua esposa. Durante a sua estadia a bordo recebeu diariamente várias visitas da guarnição, que o foram sempre animando. Com o agravar das condições meteorológicas, mares de 7 metros e ventos de 45 nós chegámos ao local da extração no dia 28 de novembro às 09h16. O EH101 estava acompanhado por um C130 que tinha vindo do Montijo para direcionar o Merlin para a nossa posi- ção, pois este estava à distância máxima de operação, não havendo margem para erros. Às 10h00, vimos o Roland ser içado pelo helicóptero, com destino a Ponta Delgada, onde chegaria por volta das 13h00. A Baptista pôde então reduzir máquinas, e continuar a enfrentar o mar que estava muito alteroso em direção a Ponta Delgada. Chegámos no dia 29 de novembro às 17h00, com 60 toneladas de combustível e 40 toneladas de água; nunca o navio tinha estado tão leve… No dia 1 de dezembro fomos visitar o Roland ao Hospital Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada; acompanhado pela sua esposa Lisa, ainda estava incrédulo com o que tinha acontecido… Depois de uns dias em Ponta Delgada, regressou a casa, na Califórnia, onde vive feliz com a sua familia. Hoje, Roland mantém contacto connosco, pondo-nos sempre a par dos progressos da sua recuperação. 

CONCLUSÃO

Ao efetuar uma evacuação médica tão longe de terra, em condições meteoroló- gicas tão adversas, o navio e a sua guarni- ção tinham sido levados ao limite, tínhamos percorrido cerca de 2000 milhas, o equivalente a ir de Lisboa a Paris e voltar. No final, ficámos muito orgulhosos por termos salvo o Roland, e com o sentimento de missão cumprida, algo que guardaremos para sempre nas nossas vidas

Colaboração do COMANDO DO NRP BAPTISTA DE ANDRADE