DOMINGOS DOS SANTOS AFONSO - UM MIRANDÊS
Era irmão do pai de meu sogro, Manuel dos Santos Afonso, era o tio de meu sogro, João dos Santos Afonso, tio-avô de minha mulher, Maria Alice Bastos Afonso e, no fundo, o tio de nós todos, os da família e os que eram apenas conhecidos e amigos.
Era rico..., muito rico, era Comendador (distinguido pelo Governo português) e vivia em Madrid.
E, quando digo que todos eram sobrinhos, havia um motivo: tinha as mãos largas e abundantes para com todos os que achava merecedores de presentes e dinheiro – sobretudo os que lhe faziam a vontade de trabalhar nas obras e nas “fincas”.
Era o orgulho de todos os irmãos, nascidos como ele em terras de Miranda do Douro (Ifanes e Póvoa)
vivendo depois de casados naquelas e noutras freguesias do concelho mirandês, um na Póvoa de Varzim (avô de Minha mulher) e dois em Espanha (Madrid e Alcañices-Zamora).
Bem, mas a verdade é que eu nunca fui considerado sobrinho desde a primeira hora em que nos conhecemos. Primeiro, eu não sabia nem queria trabalhar nas obras dele e para dar uma mãozinha na "Finca La Fortuna" situada em Alcañices, nem pensar. Eu era um intelectual, uma pessoa com formação superior e dificilmente aceitava fazer o que os outros (os verdadeiros sobrinhos) faziam.
Evidentemente que eu compreendia que minha mulher sofria com esta situação. O avô Manuel via nela a sua "Pombinha" «como lhe chamava» e, ao mesmo tempo, via o irmão Domingos com o amor de irmão.
Para mais, que a primeira vez que tive de acompanhar o tio Domingos de terras de Miranda para Alcañices, tive de o fazer a pé durante quilómetros e atravessando as montanhas que dividiam as duas povoações.
É que o avô Manuel tinha a ilusão de que o irmão Domingos dominava tudo e todos na fronteira. E eu, recém-casado, bem como a minha mulher ainda não tínhamos tirado o passaporte. Conclusão: quando chegámos à fronteira Quintanilha/Alcañices, nem a Guarda Fiscal, nem a Guardia Civil nos permitiram a passagem.
Voltámos então a Miranda do Douro e, como acima digo empreendemos o percurso a pé. Tudo teria de correr mal a partir do primeiro minuto...
Igreja de Miranda do Douro |
UM POUCO DE SUA HISTÓRIA
O tio Domingos, ainda novo, fez o que todos os apaixonados faziam na época (e fazem agora) – entreteve-se com brincadeiras sexuais com uma moçoila lá da aldeia.
Como nessa altura quem desonrava uma jovem tinha de casar, eis que o tio Domingos foge de Trás-os-Montes e aí vai ele a caminho de Espanha, primeiro refugiando-se em Alcañices (Zamora), depois para Madrid.
Casa no centro de Alcañices |
Torre e Relógio em Alcañices |
Foi ter com o irmão mais velho, de seu nome Inácio, que vivia no centro de Madrid e dedicava-se a cultivar legumes e a criar coelhos e galinhas, produtos que se entretinha a vender pelas ruas da capital espanhola.
Bem... aqui começa a história do tio Domingos. Recebido pelo tio Inácio de braços abertos, num pequeno terreno dos arredores de Madrid, onde vivia numa barraca de madeira, torna-se seu precioso auxiliar e com ele aprendeu quase tudo.
A tal ponto, que Inácio morre e Domingos torna-se o herdeiro universal de todos os bens existentes. Nunca disse nada aos irmãos e irmãs.
Entretanto, o General Francisco Franco ganha a Guerra Civil e, ao pretender alargar a Zona Urbana de Madrid, enviou emissários para contactar os proprietários de terrenos que circundavam a capital de Espanha.
Nestes contactos é interpelado o tio Domingos que vai beneficiar duma contrapartida excepcional - em troca do espaço ocupado, o Governo de Espanha dava-lhe um terreno muito maior - com uma casa construída, mas a 40 quilómetros de Madrid.
E assim nasceu a independência dum pobre homem que se tornou milionário. Rapidamente vendeu a casa que lhe tinha sido oferecida e iniciou uma série de construções que foi vendendo umas atrás de outras. Actualmente o Poblado La Fortuna
tem perto de 100.000 habitantes, com aeroporto, metro e uma rede de transportes como se tratasse duma grande zona urbana.
Centro de Saude de La Fortuna |
Estação do Metro |
tem perto de 100.000 habitantes, com aeroporto, metro e uma rede de transportes como se tratasse duma grande zona urbana.
AINDA SOBRE SUA HISTÓRIA
Mais tarde, Domingos conhece uma empregada doméstica, que veio a ser sua mulher e, com enorme herança nas mãos, dá o nome de La Fortuna (diminuitivo da tia Fortunata) ao Poblado acima referido.
Torna-se importante proprietário e Ganadero, sendo o seu domínio entre Madrid e Alcañices, onde adquiriu milhares de hectares de terrenos, criando a Granja La Fortuna, onde, com o auxilio de seu irmão António tinha uma criação de touros, de cavalos, de ovelhas, cabras e galinhas.
Toros da Ganaderia de Domingos dos Santos Afonso |
Voltando atrás nesta história: conheci o tio Domingos, em Ifanes, quando fomos à Missa Nova do nosso primo Padre Manuel, no ano de 1967 (fez anos em Julho).
Não tivemos empatia um pelo outro. A nossa convivência nunca foi um dos nossos fortes anseios. Mas, por consideração à demais família, lá ia suportando as veleidades do “Marquez” – como era conhecido por todos.
Ia com a minha mulher muitas mais vezes a Alcañices passar uns dias com o tio António e sua mulher, tia Isabel – um homem..., Grande Homem.
Passados anos, já em plena actividade oficial (e detentor dos documentos necessários), numa das minhas deslocações a Alcañices encontrei-me com o tio Domingos e, excepcionalmente, convidou-nos para passarmos uns dias em Madrid.
Aceitámos o convite e, em certo Domingo, lembrou-se à última hora que a família devia ir “a los toros”, pois, na Plaza de Madrid ia haver uma tourada importante.
E, não querendo fazer desfeita (apesar de não ser grande amante de touradas), lá fomos, no meu Austin 1300, recentemente adquirido, seguindo a frota de Mercedes que levava o grosso da família Afonso.
Era tarde quando chegámos à Praça de Touros. Nos parques mais próximos já não havia espaço para estacionar.
Os Mercedes iam à frente e, a Guardia Civil mandou avançarem para um parque que se encontrava a 500 metros.
Eu, mostrei um cartão aos agentes da Guardia Civil, os quais ao constatarem o que representava, mandaram-me para o parque de estacionamento das entidades oficiais - era um cartão da Dirección General de Prensa, do Ministério de Información Y Turismo de España.
Os demais elementos da Família Afonso muito admirados com o insólito acontecimento, mais ficaram quando verificaram que o sobrinho do Marquez (aquele que contrariava o mesmo) não só tinha arranjado estacionamento privilegiado como, não comprando bilhetes se encontrava instalado num camarote ao lado do camarote do Chefe de Estado espanhol, General Francisco Franco, enquanto eles tiveram que pagar preços exorbitantes para assistir ao espectáculo taurino.
E os anos passaram. O tio Domingos já morreu e, antes ou depois dele, foram os irmãos para o destino certo – aquele a que não podemos fugir.
Aprendi uma lição. O dinheiro, o muito dinheiro, é importante.
Se sempre gostei dos seus artigos este então "nem lhe digo nem conto",como diria o saudoso actor Santos Manuel!!!
ResponderEliminarÉ que realmente quem tem valor tem-no mesmo,com muito pouco dinheiro!!
Assim se mostra a personalidade de cada um!
Imagino o que não terá pensado o tio Marquez!!!!
Adorei e ri-me imenso!
Não é Armando mas é Eduardo e senhor do seu nariz!!!
Muito obrigada,querido mano e parabens!
Um beijo de carinho e respeito da mana
Maria Manuela
Óh...Óh... com que então, andámos a rir ao sabor das loucuras do Marquês.
EliminarCá em casa, também houve sorrisos até mais não acabarem pois eu, quando estive a ler à minha mulher o texto todo, ela lembrou-se dessas façanhas porque passámos e de muitas outras.
Quando estamos em reunião de Família dos Afonsos, particularmente dos filhos do tio António e tia Isabel, o tema preferido para as grandes risotas é lembrarmos o período a que faço referência.
Por curiosidade, os filhos do tio Domingos, que herdaram pequenas fortunas do pai já dizimaram as mesmas. Sim...cada um tinha uma super vivenda num luxuoso condomínio no centro de Madrid. Só ficou com o pai «enquanto vivo» o primeiro filho - filho da aventura que o levou a fugiir de Portugal para Espanha. Por sorte a tia Fortunata recebeu bem a situação e não o distinguia dos demais filhos.
Quanto à Granja La Fortuna de Alcañices, foi deixada ao abandono pelo filho a que, em herança lhe coube a administração da mesma.
Mas, querida amiga, muito mais há a contar.
Por exemplo, no Poblado La Fortuna, montaram uma Praça de Touros desmontável. O tio Domingos ofereceu os touros. Mas a mim, coube-me a honra de ser distinguido pela organização ao saberem que eu representava o Ministério de Información e Turismo. Mais uma pedra no sapato...
Por tal motivo, quando cortaram o rabo a um dos touros, fizeram questão em me oferecer, bem como uma bandarilha. Mas eu, dei-a ao tal filho do tio Domingos que era um louco por touradas e toros.
E, por hoje chega... não a incomodo mais com alguns pormenores que se foram passando.
Minha mulher e eu próprio, enviamos um beijo da maior consideração e grande amizade pela nossa estimada Mana Manuela.
Hahaha! Bom demais mano Eduardo! Que grande satisfação poder mostrar aos "esnobes" que existem valores tão ou mais importantes que o ouro!
ResponderEliminarGostei imenso de conhecer a história do "tio Domingos". Impressionante como o destino actua em nossas vidas e como ele soube usar com inteligência e trabalho a sorte que teve!
Minha mana Patrícia. Obrigado pelo comentário.. Gostei das suas considerações.
EliminarMas uma outra coisa tenho que lhe dizer por mera curiosidade. O bisavô de minha mulher, pai do avô Manuel e dos tios avôs e tias avós, chamava-se Patrício.
E, sempre que a Família se junta, diz-se que é a Festa dos Patrícios.
A essa reunião que tem sempre lugar em terras de Miranda do Douro, marcam presença algumas dezenas de familiares de diversas zonas do país e de Espanha.
Esta festa ´ sempre organizada por uma prima nossa que é freira (Irmã Lúcia), Madre Superiora das Servas Franciscanas,´é irmã do Padre Manuel a que me refiro na história e que neste momento já não é Padre.
É uma Família unida...
Mais uma vez nos brindando com um conto de Vida! Abraço
ResponderEliminarMinha Boa Amiga Maria Freitas.
EliminarTenho mesmo que contar estas pequenas histórias de minha vida. Não porque me sinto na obrigação de o fazer para mim, nem para incomodar os meus amigos que se interessam pelas mesmas, mas para que os meus netos, quando eu deixar de existir possam vir a ter conhecimento de pormenores da vida dos seus avós.
Um abraço também para si estimada Mana do Coração...