quinta-feira, 20 de novembro de 2014

SÍLVIA CASTELO BRANCO - UMA GRANDE SENHORA

POR TERRAS DE BADAJOZ

Centro de Badajoz


Após o 25 de Abril, muitos portugueses se refugiaram em Espanha.

Uma das fronteiras mais usadas era a do Caia que divide Elvas de Badajoz. 

Fronteira


Era hábito que, depois de estarmos a trabalhar com o Ministério de Información y Turismo de Espanha, nos deslocássemos  ou a Lisboa (Alfeite), se nossa mulher e nosso filho Pedro Miguel (de três anos) se encontrassem em casa de nossos  sogros, ou à Póvoa de Varzim, se por acaso estivessem em nossa casa.

Normalmente, quando estávamos em Madrid, fazíamos muito a viagem Madrid-Lisboa e Lisboa-Madrid.

Neste ultimo caso, fazíamos a viagem em duas etapas. 
A primeira, levava-nos até Estremoz, onde normalmente jantávamos com o nosso amigo Panassas proprietário do Restaurante Águia d'Oro. 

Restaurante Águia D'Oro


Após a refeição e convívio, deslocava-nos para a Pousada de Elvas, onde dormíamos.


Pousada de Eslvas

No dia seguinte, pela manhã, seguíamos viagem para Madrid ou para outra cidade espanhola onde estívessemos na altura a exercer a nossa  actividade.

Outras vezes, passávamos a fronteira sem parar nem em Estremoz nem em Elvas, e íamos jantar e dormir no Hotel Zurbaran de Badajoz.

Um dia, saindo de Lisboa cedo, chegámos a Estremoz cerca das treze horas. Fomos almoçar ao Águia d'Oro. Estavamos a conversar com o meu amigo Panassas quando começo a ouvir um barulho ensurdecedor de multidão agitada. 

Era uma manifestação da Reforma Agrária que se estava a juntar no largo da cidade (em frente ao restaurante) vinda de todo o concelho para contestar com vigor a actividade do Presidente do Município.

Estranhamos e fomos esclarecido que aquele autarca tinha sido eleito pelo Partido Socialista com votos dos habitantes da cidade.

Mas, as pessoas das freguesias do concelho tinham votado no Partido Comunista Português e não aceitavam o autarca pelo que, de vez em quando, faziam manifestações.

E, foram chegando uns atrás dos outros, em tractores com reboques da Reforma Agrária, ficando em cima de cada um deles um elemento que ia distribuindo paus grandes e grossos para enfrentarem um outro grupo - este apoiante do Presidente da Câmara Municipal.

Diz-nos então o nosso amigo Panassas: onde tem o seu carro ? Dissemos-lhe que estava a 10 metros do restaurante e ele aconselhou-nos a retirar a viatura do local e levá-la para uma rua mais tranquila. E assim fizemos.

Terminado o almoço, de longe, tentamos assistir ao que se preparava e, como os manifestantes queriam ter o apoio das forças militares do Regimento de Cavalaria 3, foram-se aproximando da porta principal daquela unidade militar.


Regimento de Cavalaria 3

Ouviu-se então uma voz através de um megafone - era o Oficial de Dia que informava que aquela manifestação não estava autorizada pelas entidades competentes, ou seja, pelo Governo Civil ou pelo então denominado COPCON.

Mas o grupo de manifestantes era cada vez maior e aos gritos PCP...PCP e com o punho direito fechado ostentavam mais a sua presença.

Veio então ao exterior da unidade militar o já aludido Oficial de Dia em cima de um Jeep e continuando a informar da não autorização da manifestação, acabou por ordenar o lançamento de gás lacrimógenio. Todavia, isso não chegou para afastar os manifestantes. 

É quando saiu de dentro do Regimento de Cavalaria 3 uma viatura Panhard que, com seu respeitável canhão avançou para cima dos manifestantes.

Panhard


Quando vimos que a situação se podia agravar, acabamos por nos irmos embora com destino a Badajoz.

Estando nós no Hotel Zurbaran, tivemos conhecimento que a poucos mais de um quilómetro, se encontrava o Hotel Rio onde estariam bastantes portugueses.

Resolvemos, depois de jantar, deslocar-nos àquela unidade hoteleira para podermos saber como estava o estado de alma daqueles compatriotas.

Quando viram chegar uma viatura de matrícula portuguesa, pensaram que seriamos mais um elemento que se iria refugiar no mesmo local por eles escolhido.

Mas, quando entramos no salão grande, onde se encontrava a televisão, notamos que estavam todos apavorados pois na altura os regimes políticos entre Portugal e Espanha eram adversos.

Dum lado, o governo de direita de Franco, do outro, um regimen ainda não definido com convulsões constantes.

Com as primeiras pessoas com quem conversamos, ficaram a olhar-nos desconfiados. Nessa altura, a maioria dos jornalistas portugueses tinham aderido à esquerda e eu, apresentei-me como jornalista. Deviam ter pensado que era um espião que pretendia fazer reportagens sobre eles.


Hotel Rio - Entrada e Cafetaria

Mas o mal estar desapareceu ao fim de algumas horas de convívio e depois de terem assistido a um telefonema nosso para Madrid. E, sobretudo, quando entre aqueles nossos compatriotas surge uma senhora - Uma Grande Senhora, de seu nome Sílvia Castelo Branco.

Nós, com os nossos 35 anos e a ilustre Senhora dentro dos 60 anos, tivemos uma empatia imediata. E ela, passou a ser a Embaixadora do grupo nas relações connosco.

Ficamos então a saber de sua história. Inacreditável, mas verdadeira. Era uma das pessoas mais ricas de Salvaterra de Magos, onde tinha propriedades enormes e de muito valor.
Estava só, comia no restaurante ao almoço e ao jantar limitava-se a comer um bolo e a beber um copo de leite. 

Não pagava nada no hotel, pois tinha sido ao longo de muitos anos uma hospede de frequência permanente na companhia de suas duas filhas - filhas essas que a visitavam com alguma frequência mas não muita. Tinham que tomar conta das propriedades,

Ainda, por cima, na época cada português quando se deslocava a Espanha só podia levar dois contos e quinhentos escudos.

Passamos alguns dias em Badajoz. Quisemos conhecer uma das filhas de nossa Amiga Dona Sílvia. 

Mas esse não era o objectivo. Soubemos que os empregados de mesa do restaurante e da cafetaria do hotel, é que ofereciam à senhora o tal "jantar" de um bolo e um copo de leite.

Dona Sílvia por vezes lacrimijava e fazia com que nossos sentimentos viessem à flor da pele.

Essa foi o real motivo porque quisemos falar com a filha daquela santa Senhora. Fazia-nos impressão como é que a Dona Sílvia e sua filha eram capazes de jantar sem grandes possibilidades económicas e resolvemos abrir o nosso coração e oferecer a ambas um jantar digno no meu Hotel Zurbarán.

Entrada do Hotel Zurbarán


Fomos para Madrid e logo a seguir para a Galiza. Nunca mais soubemos nem de Dona Sílvia nem das filhas, muito menos das suas propriedades.

Em nossa casa, conversando muitas vezes com a Maria Alice, perguntamo-nos. Que se terá passado ?
Hoje, ao recordar e ao escrevermos este texto, sentimos uma angústia muito grande por situações tão dramáticas a que assistimos.

Onde estiver, Dona Sílvia, na Terra ou no Céu, lembre-se deste amigo que teve a grande honra em a conhecer.




8 comentários:

  1. Que situação angustiante ver-se em meio a um conflitos dessas proporções assim, sem aviso nenhum, mais angustiante ainda a situação da nobre senhora Sílvia e sua filha! Gostaria imenso de saber o que houve com ela. Obrigada Irmão Eduardo por mais essa instigante narrativa!

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    1. Vejo que gosta de algumas de minhas narrativas.
      Isso orgulha-me pois verifico que existem algumas pessoas num universo enorme que se lembra de consultar os meus textos.
      Pela sua sinceridade, pelo seu carinho, obrigado minha excelente mana do coração.
      Até amanhã se eus quiser.
      Eduardo

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  2. Hoje é um dia de grandes emoções! O caso que o mano Eduardo conta não foi único,como muito bem deve saber.
    O grande cavaleiro tauromático Mestre João Nuncio que tanto fez pelos trabalhadores nas terras que possuia,quer os campinos quer os que trabalhavam no, morreu na completa miséria porque eles tiram-lhe tudo e deram cabo de tudo.

    Ficou a viver,em casa de uns amigos com a esposa, e lá morreu de desgosto,dizendo que não queria ser enterrado na terra dele,porque não ia ficar onde o tinham tratado tão mal!!

    Possivelmente aconteceu o mesmo a essa senhora!!

    Foi para esta vergonha que fizeram o 25 de Abril.

    Desculpe este desabafo,mas tambem sofri na pele o mesmo!

    Um abraço carinhoso da mana
    Maria Manuela

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    1. Sempre que me lembro desta e doutras situações choro lágrimas de sangue.
      Não é fácil trazer à memória muitos momentos passados nesse período sem sentir uma grande angustia.

      Efectivamente, minha mana, quem andou dum lado para outro, como me aconteceu a mim, assistiu a coisas incalculáveis.

      Serão motivo de outras memórias a publicar oportunamente.

      A minha mana também me conta mais uma que eu não conhecia e que lamento.

      Ao contrário disso, ouve uma situação duma grande amiga minha e de minha mulher Dona Maria da Conceição que tinha as suas propriedades no Couço (em Coruche) e vivendo em Lisboa, viu o seu território ser ocupados pelos trabalhadores que tinha e que pertenciam ao PCP.

      Mas aqueles membros da Reforma Agrária reconheciam a bondade da senhora e todas as semanas levavam a Lisboa artigos criados nas propriedades.

      São casos raros, mas aconteceram.

      Um beijo de enorme amizade.

      Eduardo

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  3. Boa noite Eduardo, vim mais uma vez ler este interessante artigo ou prosa, sempre muito bem contada e hoje falando sobre o 25 de Abril e de acontecimentos ao fim e ao cabo tão próprios duma revolução e dum povo oprimido durante décadas e quanto a mim só decorreu tão serenamente de cravo na espingarda devido à pouca literacia e pouco conhecimento de política por parte deste e por isso em tão pouco resultou.É certo que houve quem não se portasse dignamente e se aproveitasse da situação, mas muitos destes já tinham sido escravizados por alguns Srs donos do país. Bem mas eu sou apolítica, não é meu costume pronunciar-me e apenas falo um pouco porque o amigo menciona o Couço fregusia de onde é natural meu marido e onde temos casa na aldeia de Stª Justa, ali, gente de luta sem dúvida homens e mulheres corajosos que sofreram na pele a prisão e a pide, e muitos morriam tuberculosos de fome a trabalhar nos campos de sol a sol sem nunca provarem nada que os confortasse até ao último dia, os relatos que ainda hoje oiço na aldeia isso sim me leva às lágrimas, daí meu amigo temos que concluir que uns nasceram para ter tudo e outros nada o que é triste. Os tempos apesar de maus não se comparam com os de então. Desculpe este meu desabafo, eu venho dum meio rural, sofrido, não soube nunca o que era fome, minha família não sendo abastada tinha o suficiente felizmente fui a primeira menina da aldeia a ir estudar e a primeira a sair para trabalhar numa cidade, mas sei como sofreram aqueles que já quase todos partiram. Um beijinho desejando uma óptima noite para o mano e esposa.

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    1. Minha Boa Amiga,
      Efectivamente dou-lhe razão. Antes do 25 de Abril. aconteceram muitas injustiças. Uns mais ricos, senhores do país que tinham a sua vida em Lisboa e na linha, deixando muitos milhares de trabalhadores na miséria e sem futuro. Aliás, tive oportunidade de assistir a muitas situações negativas sempre que me deslocava ao Alentejo e Algarve.
      No Ribatejo não me lembro muito de problemas que fossem graves. Aliás, do Ribatejo sempre tive as melhores recordações. Era normal, ao transitar por aquela região que todas as pessoas me saudassem com grande gentileza.Eu costumava dizer à minha mulher: são das pessoas mais bem educadas e cordiais que conheço.
      Ao contrário de si, não digo que sou apolítico, mas digo, isso sim, que nunca fui político. Sempre acompanhei a política por razões profissionais e sempre fiz amigos em todos os governos. E, a minha ida para Espanha, ficou a dever-se ao facto de me encontrar a desenvolver um Estudo e Planeamento do Norte de Portugal em colaboração com a Comissão Coordenadora da Região Norte, Governos Civis e todos os presidentes de câmara a norte do Rio Douro.
      Com o 25 de Abril, certamente se lembra que tanto Governadores Civis como presidentes de câmara foram destituídos e eu fiquei sem saber a quem deveria dar atenção e fazer relatórios. Os governantes que substituiram os que se encontravam no exercício de funções criaram novas estruturas político partidárias.
      E, eu, com casa montada recentemente e necessidade de alimentar minha mulher e meu filho de três anos, só tinha duas hipóteses para honrar meus compromissos e garantir minha existência: ou Espanha, ou o Brasil. Fui para Espanha porque era mais perto, tinha ali família e amigos. Como vê, também fui uma das vítimas.

      Obrigado pela sua simpatia, pela sua amizade e pelo rigor de suas apreciações.
      Um beijinho deste amigo e de minha mulher,

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  4. Queria ainda dizer que ao ler viajo por todos os sítios interessantes que menciona, não só através das suas palavras mas também através das fotos, acho o máximo, torna-se de facto interessante a leitura acompanhada das fotografias que dão para dão para conhecer ou recordar sítios onde por ventura já se esteve ou por lá perto.Grata por partilhar..beijinho

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    1. Realmente, mana Natália, as fotos e os vídeos podem ser um complemento valioso para o texto.
      Tantas e tantas vezes entro em desespero porque alguns dos sitios a que faço referência não têm suporte fotográfico da época e obriga-me a pesquisas profundas.
      Mas,mesmo assim amiga Natália, ainda bem que considera válido este meu trabalho...
      Um beijinho do mano...
      Eduardo

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