sexta-feira, 21 de novembro de 2014

UM COMANDANTE FANTÁSTICO

VIAGEM LUANDA - LISBOA

 NO PAQUETE CUANZA



Tínhamos casado a 13 de Novembro de 1966. 



Montámos casa em Luanda, 
Marginal de Luanda

e, enquanto a Maria Alice cumpria com as tarefas de casa, nós íamos trabalhando o mais possível.

Saíamos de casa pelas sete horas para estarmos na Casa Americana Comercial pelas oito. Trabalhando até ao meio dia, tínhamos uma hora para almoçar.

Não o fazíamos em casa porque ficava a distância que dificilmente nos permitiria regressar a horas ao emprego. 

Depois de almoço e retomando a actividade naquela empresa americana ou na sua associada Motorang (Motores de Angola), 
Casa Americana

saíamos às dezassete horas e dirigíamo-nos para o CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola) o qual, nos acreditava como Correspondente-Delegado do Boletim da Chambre de Commerce Française au Portugal. Outra parte desta actividade era exercida no Consulado Geral de França, onde era Consul Geral nosso amigo Jean Jaques Galabru. Aí tinha um gabinete gentilmente cedido por aquele representante do Corpo Diplomático francês que se destinava aos meus contactos com empresas angolanas para solicitação de apoio publicitário para o aludido Boletim.

Para lua de Mel, não houve tempo. Era muito o trabalho, bem como as responsabilidades assumidas. 

Entretanto, começamos a sentir-nos um pouco adoentados e tivemos de recorrer ao médico, o qual nos aconselhou a mudar de clima.
Centro de Luanda

Por tudo isto, nós e a Maria Alice começámos a pensar em voltar para Lisboa onde estavam os pais de ambos e não se justificava esta separação familiar.

E, assim foi. Deslocamo-nos à Companhia Colonial de Navegação e dissemos: precisamos de embarcar para Lisboa no primeiro navio que houver.

Disseram-nos:
 «O primeiro navio para a Metrópole é o Cuanza, mas é um navio muito antigo e só temos camarotes de terceira classe»
Paquete Cuanza

Não nos importámos...queríamos era regressar a Lisboa rapidamente e eis-nos a adquirir as passagens.

Todo o recheio da casa foi vendido muito rapidamente e com prejuízos bastante relevantes. 

Mas a decisão estava tomada e, em Maio de 1967 eis-nos a embarcar no navio com destino a Lisboa. 
Porto de Luanda

Malas grandes para o porão e o indispensável para o camarote. Não gostamos nem desgostamos...era a primeira vez que embarcávamos num navio (sempre usamos os aviões da Força Aérea Portuguesa para as viagens entre Lisboa-Luanda e Luanda-Lisboa).

Todavia, quando chegou a hora das refeições apercebemo-nos que eram mesmo para passageiros de terceira classe.

Começando a viagem e usufruindo do espaço que nos estava destinado no deque do navio, lá íamos conversando com outros passageiros e procurando alguma distração.

Ao terceiro dia, encontrando-nos sentados numa das cadeiras do deque, surge-nos o Primeiro Comissário de Bordo que nos disse para o acompanharmos dada a circunstância do Senhor Comandante pretender falar connosco.
Ondas no Oceano

Ficámos apreensivos. Pensamos: será que tivemos alguma atitude menos digna a bordo do navio ?

Mas, ao entrarmos no camarote do Comandante, encontrámos uma figura de homem de mente aberta, com simpatia absoluta e que tinha entre mãos toda a documentação que fazia parte do nosso dossier de embarque.

-Então o meu amigo, com a posição que ocupa e recentemente casado está a fazer a viagem em terceira classe ?

E eu expliquei que ao balcão da CCN me tinham informado que só havia camarotes para aquela categoria.

Mas isso não é a verdade total - disse-nos o nosso interlocutor - existem camarotes na Primeira classe 

mas realmente ainda não sabemos se é possível 

ocupar algum, antes de chegarmos a São Tomé e Príncipe, onde se aguardam passageiros com destino a Lisboa.

Mas, disse-nos, a partir deste momento, apesar de continuaram a dormir no vosso camarote, passam a comer as refeições no Restaurante de Primeira classe, a frequentar o deque da mesma categoria e a usufruir dos salões a que os passageiros da Primeira Classe tinham direito.

Ficámos tão atónito, que nem perguntámos porquê
tanta distinção. Pensámos haver algum engano. Mas não. Explicou-nos o Primeiro Comissário que se ficava a dever aos cargos que desempenhavamos em Luanda.

Após oito dias, chegamos ao largo de São Tomé onde o navio fundeou.  E, em pequenas embarcações foram transportando os passageiros até ao cais. Na zona existiam muitos 
Zona de Tubarões

tubarões e esta manobra tinha que ser muito bem calculada.
Avenida Marginal de São Tomé


Mas, «isso não devemos esquecer de contar» o Primeiro Comissário tinha anunciado aos demais passageiros de Primeira Classe que a bordo se encontrava um casal de noivos. Bem...sermos noivos ao final de tantos meses parecia inadequado. O que é certo é que a porta do nosso camarote nunca mais deixou de ouvir toques de chamada e nós ouviamos as vozes dos (já amigos) que, para todas as festas nos obrigavam a estar presentes.

Mal chegados a São Tomé, lembrei-me que tinha um organismo local que não me era estranho. Era o Centro de Informação e Turismo de São Tomé e Príncipe. 
Palácio do Governador Geral de São Tomé

Entrámos num café em companhia de dois casais amigos e do Capelão de Bordo, Padre Romano Bianchi, um italiano Missionário que se tornou um dos melhores companheiros desta viagem. Lembramo-nos que na viagem se encontravam algumas freiras e, na brincadeira dizíamos ao Padre-Capelão: alguma é sua namorada ?  E, ele, sorrindo, contestava: Oh...não...com freiras não!!!
Paisagem de São Tomé

Pedi ao balcão para telefonar e entrei em contacto com o CITSTP. Quando disse quem era, alguém que me atendeu e alegou: Não saia daí. É nosso convidado para almoçar e eu quero que conheça São Tomé. Passados trinta minutos, apareceu-me então o Director do CITST e fiquei a saber que ele era também um escritor consagrado que entre outras publicações tinha editado e escrito o romance "A Roça" - que tinha servido para dar corpo a uma radio-novela com o mesmo nome.
Cacau

Como era evidente, nós queríamos aceitar o convite para o almoço mas dissemos-lhe que além de nós e nossa mulher Maria Alice, se encontravam connosco dois casais e o Capelão.
Curandeira de São Tomé

Isso não é problema - temos verba para tudo. E, conversando amenamente entre todos, comemos um magnifico almoço.

Aquele nosso amigo, lamentou não nos poder acompanhar durante a tarde mas tinha compromissos assumidos. Mas, quando menos esperávamos, tínhamos uma viatura do Governo Geral, bastante espaçosa, com motorista militar que tinha a imcunbência de nos levar até São João dos Angolares para vermos as paisagens e algumas das roças de cacau.
Árvore de cacau

E, lá fomos, estrada fora, conduzidos pelo simpático motorista em cumprimento do itinerário delineado.

A meio do trajecto, aconteceu o que não se desejava - um furo.
Missionárias em São Tomé

Lá esperámos a mudança do pneu e, enquanto isso, numa pequena aglomeração de casas notava-se a existência dum grupo de pessoas que se dedicava à venda de artesanato feito em material de tartarugas.

Comprámos alguns dessas peças de
artesanato e, como se estava fazendo tarde, regressámos a São
Tomé e embarcamos com destino ao Navio Cuanza.

Estava previsto que a partida fosse passados dois dias, porém, o navio tinha cumprido com o que o tinha levado a São Tomé.
Jovens de São Tomé em fatos Regionais
Mal chegámos ao deque, o magnânimo Comandante veio ao nosso encontro e disse: Não apareceram todos os passageiros que aqui deviam embarcar. Por isso, temos dois camarotes em primeira desocupados e, a partir de hoje, passam a dormir num deles. E, mais disse. Hoje estão convidados para a minha mesa ao jantar.

Foi assim que,nós os "chamados noivos" começamos aquela Lua de Mel que não tínhamos tido.

Pelo mar umas vezes calmo, outras tenebroso, o navio foi cumprindo a sua progressão até que dias mais tarde chegámos ao porto de Las Palmas da Gran Canária.
Centro de Las Palmas

Desembarcámos e no cais do Porto de Las Palmas, comprámos algumas recordações.
Porto e cidade de Las Palmas vistas do mar

No regresso, houve um grupo de passageiros que ficou por embarcar. Ainda hoje não sabemos se o fizeram de propósito. O que é certo é que o seu regresso se deu de avião e, quando o navio chegou a Lisboa lá estavam eles para levantar as malas. 

Seguimos então viagem com destino a Lisboa. Milha a milha, o Cuanza estava a empreender a sua ultima viagem de navegação. Era uma honra para nós e um desânimo para todos aqueles que faziam parte da sua tripulação.

Andámos mais alguns dias e, inesperadamente, quando menos esperávamos, avistamos o Bugio 
Farol do Bugio

à entrada da foz do Rio Tejo. E, mais à frente, surgiram aos nossos olhos a Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos.

Para nós e para a maioria ficou-nos uma visão espectacular. A entrada em Lisboa por barco é de uma beleza incalculável.

Ainda os nossos olhos viviam de autentico deslumbramento, quando surge à nossa esquerda a Estação Marítima de Alcântara.
Gare Marítima de Alcântara

Após desembarque, vieram os abraços e os beijos de nossos pais e de outros familiares. Sentimo-nos pequeninos.

Antes de sairmos da Estação Marítima de Alcântara, ainda a bordo, despedi-me com emoção do Fantástico Comandante, dos Comissários de Bordo, dos amigos que ali tínhamos adquirido e do Capelão, Padre Bianchi, ao qual entregámos um cartão dirigido ao Governador Geral de Angola, nosso amigo General Silvino Silvério Marques recomendando aquele Missionário italiano.


Passados alguns meses, recebemos um postal do norte de Angola agradecendo todas as nossas atenções. Trazia uma assinatura...Romano Bianchi.
Terá sido a nossa primeira oportunidade de manifestarmos amor ao próximo.
E, com lágrimas nos olhos, deixámos o Cuanza e seu Comandante Fantástico.




4 comentários:

  1. Mais uma vez um encanto esta narrativa! E muito emocionante,mas "A QUEM DEUS PROMETE...."

    Agora prepare-se para as novidades e coincidências!

    Quando regressàmos de Lourenço Marques,em 1941,meus pais e eu, fizemos a viagem no Cuanza!!!! E durou simplesmente 30 dias!!!!

    Outra coincidência: quando casei (o maior trambolhão da minha vida) fui para Cabo Verde,mais própriamente para a ilha de Sal, porque o então meu marido era contrulador aéreo no Aeroporto do Espargo! E quem era o Governador Geral de Cabo Verde o general Silvino Silvério Marques!!!!

    Veja quantas coisas em comum temos!!!

    Reviver o passado,mesmo quando não é bom,no meu caso,é magnifico! Muto obrigada por isso.

    Um beijo carinhoso e de respeito da mana
    Maria Manuela

    ResponderEliminar
  2. Já sabia que desta vez não escapava. A perseguição continua com retroactididade.
    Desta vez foi de navio...no Cuanza e, mais tarde, com o General Silvino Silvério Marques.
    Curiosa esta duplicidade de coincidências. Curiosa mas delirante.
    Estas suas palavras deixaram-me a pensar em novas histórias. Aguçaram-me o apetite para falar do então Governador Geral de Angola.

    Não demorarei muito tempo.

    Mas por hoje já chega de comentar pois só sinto necessidade de lhe dizer: Muito obrigado por me acompanhar nestas minhas andanças de memória em memória.

    Um beijo da Amizade sincera dum mano que a aprecia muito.

    Só para terminar as coincidências. Aquando do meu tempo na Força Aérea Portuguesa, a Ilha do Sal foi um dos aeroportos em que meus aviões faziam escala. Será que não nos encontramos lá ?

    Se Deus quiser, até amanhã.

    ULTIMA HORA:
    Espero que não me venha dizer que também era amiga de Don Manuel Fraga Iribarne depois de ler a minha nota de hoje.

    Mano Eduardo - Pai Soberano - Vôvô Popas

    ResponderEliminar
  3. Desta vez enganou-se,com muita pena minha.Não tive a honra de ser amiga de Don Manuel Fraga Iribarne.

    Quando lhe chamei Señor foi com muito respeito,pois sempre segui com muita atenção todas as notícias pela TVE.

    Em relação à ilha do Sal,possivelmente cruzámo-nos no aeroporto,porque o meu sabia quando algum avião passava lá e iam sempre encomendas,com tudo o que possa imaginar,desde fruta, carne, bacalhau,frutos secos,etc. Como sabe nessa altura não havia nada.
    Um garrafão de água do Luso custava então 32$50!!!!
    E eu estava no aeroporto à espera da chegada dos aviões para levar tudo para casa!!!

    Realmente a nossa amizade vem de muito longe!!!!

    Mana Maria Manuela

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Finalmente encontrei.
      Agrade mais este complemento de comentário que esclarece bastante.
      Tenho andado um pouco adentado e estive dois dias sem vir ao computador.
      Ando a fazer exames no Hospital de S.João no Porto ao coração.
      Depois dou-lhe mais noticias querida mana Manuela... Beijinhos.

      Eliminar